O Maranhão registrou mais de 1.060 novos casos em 2024
Quando o médico disse para Maria das Dores que ela precisaria retirar os seios por causa de um câncer, foi como se o chão desaparecesse. “Eu chorei por dias, não conseguia me olhar no espelho. Sentia como se uma parte de mim estivesse sendo arrancada, não só do corpo, mas da minha identidade como mulher”, conta. Diarista e mãe de três filhos, Maria das Dores vive na zona rural de São Luís e enfrentou a depressão após a notícia da mastectomia.
O que Maria não sabia — e descobriu meses depois — é que tinha direito à reconstrução mamária pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Durante uma consulta, a enfermeira me explicou que eu podia fazer a cirurgia. Eu não sabia disso. Comecei a chorar de emoção. Foi como se reacendesse uma esperança dentro de mim. Pensei: ‘então eu posso voltar a me sentir inteira de novo’”, relembra, emocionada.
Hoje, ela está no processo de exames e acompanhamento para realizar o procedimento. “Quero que outras mulheres saibam que existe esse direito. A gente, que mora longe dos grandes hospitais, muitas vezes não têm acesso à informação. Mas é importante procurar ajuda, perguntar e conversar com os profissionais de saúde. Eu descobri que a reconstrução não é só do corpo, é da alma também.”
Câncer de mama no Brasil e no Maranhão
Segundo a publicação “Controle do Câncer de Mama no Brasil”, lançada pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), o país estima 73.610 novos casos de câncer de mama em 2025. Em 2023, foram contabilizados mais de 20 mil óbitos pela doença no Brasil, com maior concentração nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
No Maranhão, apesar de os dados estaduais específicos não estarem detalhados nesta publicação nacional, a situação já era preocupante. Em levantamentos anteriores, o estado registrou mais de 1.060 novos casos em 2024, com incidência de 28,7 casos por 100 mil mulheres, e uma variação de diagnósticos de 261,68% entre os anos de 2013 e 2024. O estado também liderava a mortalidade no Nordeste, com 10,75 óbitos por 100 mil mulheres.
Em relação à reconstrução mamária, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que não há fila de espera para o procedimento na rede estadual. As cirurgias são realizadas no Hospital de Oncologia do Maranhão, em São Luís, unidade habilitada para esse tipo de atendimento. Entre os anos de 2024 e 2025, foram realizados 78 procedimentos de reconstrução mamária, assegurando às pacientes a continuidade do cuidado e a recuperação da autoestima após o tratamento do câncer de mama.
Avanços e desafios
O Plano Estadual de Atenção Oncológica de 2024 aponta entraves em todas as etapas do atendimento — desde o diagnóstico até o acesso à reconstrução. Faltam ambulatórios especializados, infraestrutura hospitalar adequada e equipes multidisciplinares.
Um estudo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), de 2025, mostrou que hospitais com residência em mastologia realizam 80% mais reconstruções mamárias do que instituições sem essa formação, evidenciando o impacto da especialização médica na ampliação do acesso.
Para a enfermeira e professora da Estácio, Stelman Pontes, a falta de acesso e de comunicação clara sobre o tema agrava as desigualdades no tratamento oncológico. “A reconstrução mamária não é apenas uma questão estética, mas uma etapa fundamental para a recuperação integral da mulher. O principal objetivo é restabelecer a estética corporal e melhorar a autoimagem”, explica.
Ela destaca ainda o papel da enfermagem como elo entre a informação e o cuidado humanizado. “O trabalho do enfermeiro vai além da parte técnica. Envolve acolhimento, orientação e suporte emocional. Reconstruir uma mama é, antes de tudo, reconstruir uma história de coragem. E o cuidado começa quando a paciente entende que tem esse direito.”
A história de Maria das Dores é a mesma de muitas brasileiras que, em meio ao medo e à desinformação, encontram na reconstrução mamária a chance de se reconhecer novamente diante do espelho.
O direito à reconstrução
A reconstrução mamária após a mastectomia é garantida pelas leis federais n.º 12.802/2013 e n.º 13.770/2018.Toda mulher que teve a mama retirada total ou parcialmente por causa do câncer tem direito à cirurgia reparadora pelo Sistema Único de Saúde (SUS).Mais do que uma questão estética, trata-se de uma etapa essencial do tratamento do câncer de mama, contribuindo para a autoestima, o bem-estar e a reabilitação física e emocional das pacientes.
Mas a realidade ainda é desigual. Dados do Instituto Oncoguia de 2024 apontam que mais de 20 mil mulheres estavam na fila de espera pela reconstrução mamária no SUS, e apenas cerca de 30% conseguiram realizar a cirurgia pelo sistema público.
Cerca de 70% das mulheres que aguardam pela reconstrução mamária no SUS permanecem na fila por tempo indeterminado, devido à falta de profissionais especializados, materiais cirúrgicos e estrutura hospitalar. Muitas enfrentam impactos emocionais e perda da autoestima durante essa espera.
Quando o SUS não realiza o procedimento em tempo razoável, existem formas de recorrer:
* Solicitação formal – O primeiro passo é pedir, por escrito, o agendamento ou a inclusão na fila de reconstrução mamária. É fundamental guardar protocolos e documentos que comprovem o pedido.
* Ouvidoria do SUS – Caso haja dificuldades de acesso ou demora excessiva, a paciente pode registrar uma denúncia ou reclamação na ouvidoria estadual ou municipal do SUS, pelo telefone 136 ou no site do Ministério da Saúde.
* Defensoria Pública – Se mesmo assim a cirurgia não for realizada, é possível recorrer à Defensoria Pública para ingressar com uma ação judicial exigindo o cumprimento do direito garantido por lei.
Como ressalta Stelma Pontes, “reconstruir não é apenas reparar o corpo — é devolver dignidade, força e esperança”.